Nas décadas de 70 e 80, a Xerox era uma das empresas mais admiradas do mundo. O motivo era a capacidade criativa de seus laboratórios.
Em seu centro de pesquisas Palo Alto Research Center (Parc), uma legião de cientistas tinha a missão de reproduzir, dentro da companhia, o ambiente de inovação que normalmente se associa às universidades. Sediado na Califórnia, longe da matriz, em Nova York, o Parc gerou os embriões de tecnologias que hoje todos usam diariamente, como a interface gráfica dos computadores, o mouse e a impressora a laser. É verdade que a Xerox não se beneficiou como poderia dessas novidades (muitas delas foram copiadas por certo Steve Jobs, que viria a criar a Apple).
Mas o modelo era claro: pesquisar e criar tudo dentro de casa. Durante anos, as maiores companhias do mundo seguiram uma receita parecida. Com a revolução da internet, porém, a certeza virou dúvida: faz sentido manter laboratórios de ponta e pesquisadores de primeira linha dentro de casa? A internet, afinal de contas, é uma rede de computadores, mas também de cérebros. Por que não abrir mão dos esforços próprios e buscar o conhecimento onde ele estiver?
Não é melhor abraçar de vez o que se convencionou chamar de "inovação aberta"? A resposta, como mostram as experiências das companhias reconhecidas por sua capacidade de inovação, é buscar o equilíbrio entre os dois modelos. "As empresas estão percebendo que a melhor abordagem é combinar as ideias externas com o desenvolvimento dentro de casa", afirma Ken Perlin, professor de ciência da computação da Universidade de Nova York. Na era da economia da informação, as companhias inovadoras terão de abrir as portas para as contribuições que vêm de fora -- sem, com isso, desmontar suas estruturas internas.
Uma das empresas que mais transformaram seus laboratórios de pesquisa e desenvolvimento nos últimos anos foi a IBM. Durante quase um século, a Big Blue se concentrou em tecnologias próprias. Mas, desde o fim da década passada, a companhia vem abrindo seus laboratórios para universidades, pesquisadores independentes e até mesmo clientes. Suas equipes de P&D continuam importantes -- mas, agora, ganharam um novo papel.
A IBM tem cerca de 3 000 Ph.Ds espalhados pelo mundo e oito grandes laboratórios globais. Antigamente, seus cientistas trabalhavam exclusivamente com ideias desenvolvidas dentro da empresa. Hoje, como diz Fábio Gandour, um dos cientistas-chefe da IBM, "os tentáculos cresceram".
O brasileiro de 57 anos faz parte de um grupo de pesquisadores de elite da companhia e agora tem a missão de criar aqui um polo para absorver e transformar em negócios ideias geradas no país. O movimento de abertura não teve impacto na liderança de um ranking do qual a IBM se orgulha muito: o de registro de patentes. A companhia continua no primeiro lugar, com mais de 3 000 patentes registradas anualmente. "A ciência moderna é feita por cérebros que estejam em qualquer lugar", diz Gandour.
O contato das empresas com a inovação que vem de fora é a internet. Isso acontece de várias formas. Algumas companhias buscam portais abertos, como o InnoCentive, uma espécie de classificado para cientistas. O site, criado pela farmacêutica americana Eli Lilly em 2001, hoje é uma empresa independente. Lá, qualquer companhia pode apresentar um problema específico e esperar que alguém, em alguma parte do mundo, se apresente para resolvê-lo - em troca de pagamento, é claro.
Outro modelo é criar um site próprio para mediar o contato com os inovadores. A gigante do consumo Procter&Gamble adota ambas as estratégias. Em meados do ano 2000, a empresa deparou-se com um cenário perturbador: seus investimentos em pesquisa e desenvolvimento disparavam, mas as vendas permaneciam estáveis. A P&G, então, mudou radicalmente seu modelo de inovação. Em seu portal P&G Connect + Develop, por exemplo, há uma solicitação por um salgadinho de batata que seja assado e que não contenha gorduras trans. Os interessados podem enviar as propostas, desde que elas sejam patenteadas. Se forem aproveitadas, o inventor é remunerado.
"Nossos pesquisadores se concentram naquilo que conhecem bem e complementam seu trabalho com ideias de fora nas áreas em que não temos tanta experiência", diz Jeff LeRoy, do time de inovação da Procter. Com a iniciativa, a empresa ampliou sua equipe de cientistas de 7 500 pessoas no início da década para 1,5 milhão de colaboradores hoje cadastrados no site.
As colaborações externas são eficientes não apenas para empresas que buscam reduzir custos com pesquisa mas principalmente para as que tentam ir além do que seus laboratórios conseguiram. Após anos de melhorias em seu sistema de recomendação de filmes aos clientes, a locadora online Netflix atingiu o limite.
A solução encontrada foi criar um concurso online convocando qualquer pessoa interessada em aperfeiçoar seus algoritmos de recomendação. O indivíduo ou grupo que conseguisse melhorar a qualidade das recomendações em 10% levaria um prêmio de 1 milhão de dólares. A tarefa não era nada trivial: houve 40 000 equipes inscritas e o vencedor levou três anos para atingir a meta. O concurso mostra que a era da inovação colaborativa é capaz de colocar em condições de igualdade times de doutores e cidadãos comuns.
Durante muito tempo, o líder da corrida da Netflix foi um psicólogo inglês que fez carreira em empresas de consultoria e estava aposentado. Ele não levou o prêmio (o time vencedor contava com 26 pessoas), mas provou que, no mundo conectado, as ideias importam mais do que o que está impresso no cartão de visitas.
Uma consequência interessante dos modelos mistos de inovação é o novo desenho do gráfico que mostra quem investe em pesquisa e desenvolvimento. Em 1990, as grandes empresas americanas eram responsáveis por 70% do bolo. Hoje, elas respondem por menos de 40% do total, ao passo que as pequenas passaram a ser responsáveis por mais de 25% dos investimentos, segundo a National Science Foundation.
No Brasil não existem estatísticas, mas a percepção de contribuição das pequenas é expressiva. A americana 3M conta em boa parte com ideias de pequenas empresas em seus projetos brasileiros. Universidades também têm motivação extra para ir além das teses de laboratórios. A brasileira Samba Tech, que desenvolve sistemas de distribuição de vídeos online, é um desses casos.
Há dois anos, recebe alunos do MIT numa espécie de intercâmbio: eles auxiliam a empresa nos modelos de marketing e vendas e a empresa fornece a visão prática dos negócios em economias emergentes, o principal propósito do curso. "Esse é um exemplo de inovação aberta em modelo de negócios que está ganhando espaço nas corporações", afirma Jonathan Lehrich, coordenador do curso do MIT.
O modelo misto de inovação, entretanto, requer alguns cuidados. "A inovação aberta é uma tendência crescente, mas não é a cura para todos os males", afirma o professor Henry Chesbrough, criador do termo open innovation e líder de pesquisas da Universidade de Berkeley sobre o tema.
Quem abraça o modelo misto não deve pensar na colaboração como a terceirização de parte de suas pesquisas. As empresas também devem estruturar antecipadamente como será a propriedade intelectual ao término de um projeto conjunto. Além disso, com a abertura do canal de inovação externa, outras questões importantes envolvem a adaptação da função dos pesquisadores. O grande desafio está em convencê-los de que o trabalho de pesquisa interna não está menos importante, apenas diferente, conforme sugere Chesbrough.
E os pesquisadores que se cuidem. O modelo de inovação mista está aberto até mesmo para os consumidores. Após registrar queda de 40% no lucro em 2005, a Kraft Foods concluiu que seus lançamentos simplesmente não atendiam à expectativa dos consumidores. A empresa então criou um site no qual os clientes se cadastram para ser "provadores oficiais" -- ou por que não dizer cobaias? -- das novidades.
Os testadores que participam do programa First Taste ("primeira prova") recebem os produtos em casa, com o compromisso de publicar no site suas impressões. O site da Kraft também tem um quê de rede social: os colaboradores, todos voluntários, podem recomendar os produtos uns aos outros, o que não deixa de funcionar como um laboratório também do boca a boca que o produto vai gerar.
(Exame)
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