quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O rei das farmácias

Como o cearense Francisco Deusmar de Queirós, que começou vendendo remédios na periferia de Fortaleza, construiu uma rede de drogarias que faturou mais de 2 bilhões de reais em 2011

O cearense Francisco Deusmar de Queirós, de 64 anos, ainda era menino na década de 50 quando começou a ga­nhar o próprio dinheiro nas ruas de For­taleza, no Ceará. "Depois da aula, meu pai me dava banana, laranja e rapadura de nossa mercearia para eu vender na rua”, diz Queirós. Nos anos 80, ele enxergou una enorme potencial para empreender vendendo remédios a preço baixo para a clientela de baixa renda do Nordeste. Ho­je, três décadas depois, Queirós é dono de uma das principais redes de farmácias do país, a Pague Menos, que faturou mais de 2 bilhões de reais em 2011 — metade das receitas vem dos estados do Nordeste. Ele conta a Exame PME como fez a rede cres­cer tanto e avisa para quem quiser fazer o mesmo: "O que vale para um estado nor­destino pode não valer para o outro”.

Nasci em Amontada, uma cidade­zinha do litoral norte do Ceará, onde passei parte da infiancia. Meu pai, que saiu da escola ao completar o primário, queria que eu estudasse para me formar numa faculdade. Para me dar acesso a bons colégios, minha família se mudou para Fortaleza quando eu tinha 7 anos. Meu pai vendeu o sitio onde moráva­mos e, com o dinheiro, abriu uma mer­cearia. Às vezes, eu o ajudava vendendo frutas nas ruas perto de casa — só de­pois das aulas, pois meu pai não me dei­xava faltar de jeito nenhum.

Prestei vestibular para o curso de ad­ministração na Universidade Federal do Ceará. Eu queria trabalhar numa empresa grande, mas não para fazer carreira como empregado. Meu objetivo era ganhar ex­periéncia e um dia ser dono de meu pró­prio negócio. As coisas aconteceram mais rápido do que eu esperava. Aos 19 anos, ainda na faculdade, consegui um emprego na IBM corno operador de computador. Fiquei lá de 1967 a 1969. Depois, passei num concurso para o IBGE, onde traba­lhei por mais dois anos. Saí de lá para uma distribuidora de valores. Dois anos depois, tinha me tornado gerente. Também dava aulas de economia na universidade.

Eu tinha quase 30 anos e achei que já estava preparado para empreender. Abri minha própria corretora, a Pax. Deu mui­to certo. Ganhei bastante dinheiro vendendo cotas do Finor, um fundo que dava benefícios fiscais a empresas que inves­tiam no Nordeste. No final da década de 70, eu estava com 34 anos e tinha juntado um patrimônio de 1 milhão de dólares.

Enquanto trabalhava no mercado financeiro, passei duas temporadas fazen­do cursos nos Estados Unidos. Nas via­gens, conheci as drugstores americanas. Achei-as interessantíssimas. Elas têm uns pouco de tudo — até salgadinho. Era muito diferente do que eu conhecia no Brasil, onde farmácia só vendia remédio e um ou outro artigo de perfumaria.

A alta diversificação nas drugstores americanas me chamou a atenção. Dava para vender os remédios a uns preço bai­xo porque o lucro menor nos medica­mentos era compensado com margens melhores nos demais produtos. Achei o sistema bem interessante e comecei a pensar em como adaptá-lo ao Brasil. Ter uma farmácia me pareceu ótima. Todo mundo precisa de remédio de vez em quando. Além disso, eu simpatizava com a idéia de lidar com comércio, porque era um tipo de negócio mais parecido com a mercearia que eu conheci quando crian­ça — a corretora dava dinheiro, mas não me encantava tanto assim.

Em 1981, abri minha primeira farmá­cia no Ellery, um bairro simples de Fortaleza. Era modesta, mas chamava a atenção por ser diferente das ­ concorrentes. As outras farmácias deixavam os produtos de higiene atrás do balcão, e quem quisesse alguma coisa tinha de pedir ao balconista. Muita gente, princi­palmente as mulheres, ficava constran­gida de pedir a um estranho um produ­to de uso pessoal, como preservativos ou absorventes íntimos. Não tinha dú­vida de que isso atrapalhava as vendas. A primeira coisa que copiei das drugstores foi deixar uma gôndola no meio da farmácia com os produtos de higiene e perfumaria ao alcance do cliente, que podia encontrar tudo sem pedir a nin­guém. Com o tempo, acrescentei itens que os concorrentes não vendiam, como doces e refrigerantes.

Os medicamentos baratos fizeram enorme sucesso. Mas a gente não vendia o tempo todo. Certa vez, o gerente de uma de nossas drogarias numa cidade no interior do Ceará justificou as ven­das em baixa porque enfrentava a concorrência de uma pequena farmácia do bairro que vendia medicamentos em "dedada" e "colherada” Pedi a ele para explicar melhor. Soube então que, quando não tinha dinheiro para com­prar um tubo de pomada ou um vidro de xarope, o pessoal do bairro ia nesse concorrente e, por 50 centavos, com­prava uma dedada de pomada ou uma colherada de remédio.

Encontrar formas de fazer com que mais gente entrasse na farmácia era uma verdadeira obsessão para mim. Em 1991, estava em Belo Horizonte quando vi um rapaz entrar numa lavanderia para com­prar vale-transporte. Gostei da ideia e deci­di fazer das farmácias um ponto de presta­ção de serviços. Fiz acordos com empresas de ônibus para distribuir os vales.Também procurei as companhias de telefonia, enér­gia e água e fechei contratos para que os clientes pudessem pagar as contas na Pa­gue Menos. Essas empresas me davam prazo de trés dias para repassar o que rece­bia — enquanto isso o dinheiro tirava apli­cado no banco. Hoje, isso é comum, mas penso ter sido um dos primeiros.

Achava que havia muita coisa er­rada nas farmácias de Fortaleza. Ficava particularmente incomodado com as drogarias que funcionavam 24 horas. As portas não ficavam abertas o tempo todo. À noite, os donos deixavam só uma janelinha aberta na fachada, com medo de assaltantes, e um único fun­cionário lá dentro para atender quem chegasse. Para mim, era ridículo deixar o pobre do cliente ao relento com a desculpa de proteger a farmácia. Quando abri a primeira drogaria 24 horas, mandei deixar aberta o tempo todo. Muita gente disse que a Pague Menos viraria chamariz de bandido. Até fui assaltado algumas vezes, mas não mais que o pessoal da janelinha. E ganhei clientes que certamente não gostavam nada de ficar de madrugada na calçada para comprar remédios.

Quem quer fazer negócio na Re­gião Nordeste precisa entender suas particularidades. O que vale para o Ceará nem sempre funciona nos estados vizinhos. O consumidor de Forta­leza pensa diferente do cearense do interior. Lembro que estava preocupado com uma farmácia em Juazeiro do Norte que nunca batia as metas. Uns dias fui lá tentar descobrir o problema. Dei uma volta na cidade e percebi que as farmácias e todas as outras lojas ti­nham na porta uma imagem do padre Cícero. Conversei com outros comer­ciantes. Eles me explicaram que, sem uma estátua do Padim Ciço no estabelecimento, o pessoal de Juazeiro não entra. Comprei logo três imagens — uma eu pus na porta, a outra no meio e a última nos fundos da Pague Menos. Depois disso, as vendas aumentaram.

No fim dos anos 90, comecei a abrir farmácias fora do Nordeste. Em 2002, a rede chegou a São Paulo. Mas o mer­cado nordestino, onde construí uma base sólida para a expansão da empre­sa, representa metade das receitas. Ho­je, ainda há muito o que crescer no Nordeste, principalmente graças à ex­plosão no consumo das classes C e D. A região virou um grande canteiro de obras. Fico impressionado como de um ano para o outro surgem bairros onde antes só havia terrenos baldios. Em cada uns desses lugares pode haver espaço para uma ou mais farmácias.

Muitos concorrentes dizem que pretendem investir no Nordeste, mas até agora não vi nada de muito concre­to. Quem chega para abrir meia dúzia de farmácias não me incomoda. Mas respeito quem vier com muito dinheiro e planos agressivos. Estou prepa­rando para enfrentar a concorrência, sem deixar de lado a expansão da Pa­gue Menos em outras regiões, como Norte e Sudeste. Para isso, vou precisar de dinheiro. Planejo abrir o capital até o fim de 2012, quando a Pague Menos deverá ter 500 farmácias e faturar mais de 3 bilhões de reais por ano.



Fonte: Revista PME- Exame – Janeiro 2012 - Katia Simões

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