Abaixo um artigo publicado no “American Medical News” relatando sobre a relação entre médicos e representantes nos EUA. Um texto ácido e que merece uma leitura crítica.
A relação entre médicos e representantes poderá não voltar a ser a mesma.
As companhias farmacêuticas – fustigadas por lentas linhas de investigação e desenvolvimento de medicamentos, iminente perda de patentes de blockbusters, uma economia em recessão e um apertado escrutínio das suas relações com os médicos – estão reavaliando a visitação médica.
Os representantes lutam para conseguir uma fatia cada vez menor do valioso tempo e atenção médica, ao mesmo tempo que se adaptam às novas regras de conduta profissional nos EUA, que ditam, entre outras coisas, a exclusão de oferta de brindes, como canetas ou blocos.
No seu auge, em 2007, a Indústria Farmacêutica norte-americana recrutou 102.000 representantes, refere Chris Wright, gestor da empresa de consultoria ZS Associates' U.S. Pharmaceuticals. Entretanto, esse número já foi cortado para 92.000 e a ZS acredita que, o mais tardar até 2012, desça até aos 75.000, poupando à Indústria 3.6 mil milhões de dólares.
O ROI das forças de vendas vem caindo a pique. Em cada 100 representantes que visitam um consultório, 37 conseguem deixar amostras dos seus produtos e apenas 20 chegam a falar com o médico, revelou a consultora TNS Healthcare, o que está em conformidade com os dados apresentados em Fevereiro pela PricewaterhouseCoopers, num relatório sobre o futuro da IF, que indicavam uma quebra de 23% no lucro por visitação médica entre 2004 e 2005.
"O velho modelo de vendas está agora quebrado, e quem sabe como se configurará no futuro", comentou Peter H. Nalen, presidente da Compass Healthcare Communications. "As companhias farmacêuticas estão percebendo que há outras formas de atingir os médicos, que não passam por bater à porta de quem simplesmente não as quer receber".
Um em cada quatro médicos que trabalham num consultório recusa-se a receber representantes. O tempo “encolhido” e as novas regras da IF estão «mudando a paisagem de forma bastante drástica», defende Nalen.
Outro sinal preocupante para as farmacêuticas: mais de um terço das faculdades de Medicina norte-americanas exigem que os representantes façam marcação de visita de médicos ou residentes, de acordo com a American Medical Student Assn.'s 2008 PharmFree Scorecard. O Assn. of American Medical Colleges recomendou a política de “unicamente sob marcação” em Maio de 2008.
E embora a maioria dos médicos continue a ter uma opinião positiva relativamente aos representantes e às farmacêuticas, esses sentimentos estão “esfriando”.
Cerca de um em quatro médicos trabalham em locais que recusam a visitação médica. Dos que recebem representantes, cerca de 40% apenas o faz sob marcação prévia.
Os valores do “unicamente sob marcação” subiram 23% nos últimos seis meses de 2008, de acordo com um inquérito junto de mais de 227.000 consultórios médicos, representando 640.000 profissionais, publicado em Fevereiro.
O inquérito, conduzido pela empresa de profiling médico, SK&A Information Services Inc., não procurava determinar os motivos que levam os médicos a tratar os representantes com frieza, mas os consultores médicos e da IF afirmam que os médicos se sentem cercados pelo número de representantes que visitam os seus consultórios e lhes ocupam tempo precioso numa época de crise.
No ano passado assistiu-se a uma ligeira quebra na qualidade das relações entre médicos e representantes, com base num estudo da TNS que envolveu mais de 1.500 médicos. E os comentários “boca-a-boca” negativos sobre a IF aumentaram de modo acentuado entre os clínicos – o denominado “índex da resistência do mercado” cresceu 62% no último ano, revelou a TNS.
A controvérsia em torno dos medicamentos Vioxx, Avandia e Vytorin parece ter contribuído para deixar os médicos mais cépticos relativamente à IF enquanto fonte de informação, considera Jerome L. Avorn, professor de Medicina na Harvard Medical School, em Massachusetts. "Os médicos estão cada vez mais preocupados com os discursos de venda dos representantes, por acharem que estes não lhes contam a história completa", declarou Avorn, autor do livro, publicado em 2004, “Powerful Medicines: The Benefits, Risks, and Costs of Prescription Drugs”.
Ken Johnson, vice-presidente sênior da Pharmaceutical Research and Manufacturers of America, defendeu, num comunicado, que a visitação médica é benéfica para médicos e pacientes. "A interação entre médicos e os representantes das companhias farmacêuticas beneficia os cuidados dos pacientes através da troca de informação sobre novos medicamentos, novos usos, os últimos dados clínicos, dosagens apropriadas e temas emergentes relativos à segurança".
Cada cabeça, sua sentença
Os médicos têm formas distintas de lidar com os representantes.
Charles E. Crutchfield III é dermatologista num consultório em Eagan, nos arredores de Minneapolis. Conta que, diariamente, entre cinco a dez representantes visitam o seu consultório, pelo que montou um esquema rígido de acolhimento, o qual dita a atribuição de uma sessão de cinco minutos por semana a cada representante, e exige que estes forneçam almoço à sua equipa. "Os representantes sabem que não estão autorizados a perturbar-me quando estou com pacientes», disse Crutchfield. "Se trouxerem amostras, há uma enfermeira que me traz a notificação para que a possa assinar, mas não vejo nem falo com representantes no meio da prática clínica".
Ari Silver-Isenstadt, por seu turno, persuadiu os quatro colegas médicos e restante equipa do consultório pediátrico onde trabalha, em Baltimore, a adotar, em Janeiro de 2008, uma política de não atendimento de representantes. Silver-Isenstadt é membro da National Physicians Alliance, cuja campanha “Unbranded Doctor Campaign” pretende levar os médicos a recusar brindes da IF, bem como as próprias visitas.
E apesar dos números do novo inquérito, que mostram que os médicos estão se afastando dos representantes, este pediatra é bastante incisivo, defendendo que os médicos deveriam ter uma abordagem mais agressiva relativamente aos conflitos de interesse colocados pelos representantes. "Mais de metade de nós, médicos, ainda convivemos com um frenesim de representantes nos nossos consultórios', expôs, acrescentando que "deveríamos ter vergonha de nós próprios por permitirmos tal promiscuidade entre os melhores interesses dos nossos pacientes e a conveniência e maneirismos dos representantes".
Mas nem todos os profissionais partilham a opinião de Silver-Isenstadt. A maioria está simplesmente pressionada pelo tempo.
Neste sentido, que as companhias farmacêuticas estão tentando chegar até eles através da Web, dizem os especialistas.
Cerca de 45.000 médicos encontram-se com representantes através de videoconferências online, e 300.000 médicos afirmam estar abertos a tal possibilidade, revela um estudo, de Setembro de 2008, da Manhattan Research.
A visitação médica não irá desaparecer completamente, afirmam os especialistas. Ao invés, as forças de vendas que sobreviverem as demissões serão melhor treinadas e terão um conhecimento clínico e científico mais aprofundado.
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