Revista EXAME -
Os setores de produtos farmacêuticos e de serviços e equipamentos de saúde tradicionalmente contam com uma espécie de para-raios contra crises. Assim como ocorre com o setor de alimentos e bens de consumo de primeira necessidade, as pessoas não deixam de comprar remédios ou procurar hospitais, por pior que seja sua situação financeira. Saúde, em muitos casos, é uma questão de sobrevivência. E o mais primitivo dos instintos humanos parece ser mais forte que qualquer crise.
Mas é comum que, em momentos de turbulência, os consumidores tentem reduzir seus gastos, buscando produtos e serviços mais baratos - uma mudança que acarreta ajustes nas contas e, eventualmente, impacto nos resultados. Segundo estimativas da consultoria americana IMS Health, especializada no setor de saúde, os negócios globais da área devem crescer 3,5% em 2009, ante uma previsão anterior de 5%. Vista dessa forma, não é uma notícia boa para empresas, acionistas e investidores do setor. Mas, colocados em perspectiva, esses números evidenciam o poder e a relevância da saúde na economia mundial. (Apenas para efeito de comparação: a indústria automobilística mundial deve encolher 13% em 2009.) "A área de saúde é tradicionalmente mais resistente a crises e, mesmo quando sofre algum impacto, se recupera mais rapidamente", diz Marcello Albuquerque, da IMS Health.
Na atual crise, setores da saúde, como a indústria farmacêutica, foram beneficiados por um colchão de segurança: a excelente performance nos países emergentes. Da mesma forma que acontece em outros setores, economias como Brasil, China e Índia começaram a atrair a atenção das empresas antes mesmo de a crise ocorrer.Quando os maiores mercados entraram em colapso, sua importância foi catapultada. Embora os Estados Unidos ainda sejam de longe o maior mercado de remédios do mundo, com vendas de 291 bilhões de dólares no ano passado, o equivalente a 40% do total mundial, a evolução prevista para os próximos anos é tímida - deve alcançar no máximo 2% ao ano entre 2008 e 2013.
Por outro lado, o bloco de países batizado pelos especialistas do setor de pharmerging - termo criado pela contração das palavras inglesas pharma e emerging para designar Brasil, Rússia, Índia, China, México, Coreia e Turquia - deve registrar um crescimento médio de 15% ao ano no mesmo período. Na China, o maior mercado entre os emergentes, o crescimento será tal que, em dois anos, o país deverá concentrar o terceiro maior volume de vendas no mundo, logo atrás de Estados Unidos e Europa e à frente do Japão.
Atualmente, a China detém a sexta posição no ranking e registrou no ano passado vendas de 24 bilhões de dólares, um crescimento de 26% em relação ao ano anterior - o maior do mundo.
Apesar de não ter volumes tão opulentos quanto os chineses, o Brasil também traz números respeitáveis e deve subir algumas posições no ranking global nos próximos dois anos. Com receitas de 18 bilhões de dólares em 2008, o mercado brasileiro cresceu 12% em relação a 2007, velocidade só inferior à atingida pela China.
Para 2009, a previsão é que esse ritmo fique entre 7% e 8%. Um crescimento muito maior, portanto, que o estimado para o mercado mundial, 3,5%. "O efeito da crise na renda dos consumidores não foi tão pronunciado quanto se temia e o orçamento público para saúde tem se mantido estável", diz Ciro Mortella, presidente da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica (Febrafarma). "Isso torna o mercado nacional um dos mais promissores para a indústria."
Novo perfil
Se no passado o mercado brasileiro - e dos emergentes de maneira geral - era caracterizado pela venda de grandes volumes de medicamentos para doenças infecciosas e exames básicos, hoje a situação é diferente.
O perfil de mercado já começa a se aproximar dos países mais ricos, com aumento no consumo de remédios para o tratamento de problemas cardiovasculares, diabetes e outras doenças crônicas - as que rendem melhores margens às empresas.
A suíça Roche, por exemplo, adotou uma estratégia focada em drogas inovadoras para doenças complexas, como alguns tipos de câncer, compradas basicamente por governos e hospitais.
Outras companhias investem numa área radicalmente diferente, mas também crucial para o crescimento nos mercados emergentes: os genéricos. No Brasil, a Sanofi-Aventis, quarta maior farmacêutica do mundo, recentemente adquiriu por 1,5 bilhão de reais o laboratório Medley, especializado nesse tipo de medicamento (a transação ainda se encontra em análise no Cade). A Pfizer, maior empresa farmacêutica do mundo, prospecta oportunidades na mesma área. "Optamos por parcerias com empresas que nos permitam acesso a um mercado no qual ainda temos pouca familiaridade", diz Mariano Garcia-Valiño, diretor da Pfizer no Brasil.
Os bons resultados e as perspectivas promissoras do mercado brasileiro se desdobram além do mercado de medicamentos. O setor de equipamentos de saúde - que envolve desde prosaicos aparelhos de monitoramento de pressão arterial até gigantescas máquinas de ressonância magnética - deve crescer 8% em 2009, ante um faturamento de 4 bilhões de dólares no ano passado.
Apenas a área de diagnósticos por imagem deve crescer 13%. A fim de ganhar parte desse novo mercado, a GE Healthcare, divisão de produtos de saúde da gigante americana, está investindo 50 milhões de dólares na construção de uma fábrica em Minas Gerais para a produção de máquinas de raios X e mamografia. É o maior investimento da divisão já feito no país e os produtos fabricados aqui deverão abastecer toda a América Latina. "O Brasil já vinha bem antes da crise e hoje está em uma posição privilegiadíssima", diz Cláudia Goulart, presidente da GE Healthcare para a América Latina. "No pior dos cenários, devemos registrar o mesmo volume de vendas do ano passado, enquanto todos os grandes mercados do mundo vão ter queda nas vendas." Ironicamente, a crise deixou a saúde brasileira ainda mais forte.
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