quarta-feira, 29 de junho de 2011

Droga Raia se estrutura para abrir o capital na Bovespa

Perdemos poder, mas tudo bem!

Uma tentativa frustrada, a entrada de fundos de investimento, ajustes internos que regularam a influência da família gastos milionários. Como foi a preparação de quatro anos da Droga Raia para abrir o capital, ALEXANDRE MOSCHELLA.

“Não acredito que vou pagar essa conta.” Foi o que Antonio Carlos Pipponzi, presidente da rede de farmácias Droga Raia, pensou antes de iniciar mais um almoço com cerca de 40 investidores estrangeiros reunidos num restauran­te em Nova York em dezembro de 2010. Fazia mais de uma semana que ele e alguns executivos da empresa estavam viajando pelos Estados Uni­dos e pela Europa para apresentar a Droga Raia a analistas, gestores de fundos e outros profissionais do mer­cado - um périplo que precisa ser feito pelas companhias que pretendem abrir o capital na bolsa de valores.

Nas contas de Pipponzi, essas viagens ­com seus almoços em restaurantes sofisticados - mais os advogados e auditores que tiveram de ser contra­tados para preparar a Raia para o IPO (sigla em inglês para oferta ini­cial de ações) já estavam custando 5 milhões de reais à empresa. "Pensava no impacto que o valor teria no caixa e também no tempo que estávamos dedicando à estruturação da abertura de capital", diz ele. "Havia uma expec­tativa grande para que tudo desse cer­to." Hoje, o IPO da Raia pode ser considerado um sucesso: as ações foram compradas no topo da faixa de preço estimada pelos bancos que estrutura­ram a operação e, desde a estréia na bolsa, em dezembro de 2010, os papéis valorizaram 6% (no mesmo período, o Ibovespa caiu 10%). A empresa levan­tou 655 milhões de reais e, com esse dinheiro, vem seguindo um plano de expansão que prevê auentar o número de lojas em cerca de 40% até 2012.

Diante disso, hoje, as despesas em No­va York parecem um detalhe. Mas a preparação para a oferta de ações, um processo de quatro anos no caso da Droga Raia, mostra como o IPO costu­ma transformar a rotina e a forma de atuar de uma companhia.

Para os donos da Raia, companhia familiar fundada há mais de 100 anos em Araraquara, no interior de São Paulo, e que hoje fatura 1,9 bilhão de reais, a principal mudança foi apren­der a conviver com sócios. "Dividir o poder dói, mas nessa hora é preciso ser racional: acabei aprendendo que é melhor ter uma fatia pequena de um bolo grande", diz Pipponzi. A primei­ra tentativa de abrir o capital ocorreu há quatro anos.

Em meio à euforia da bolsa - entre 2006 e 2007, 90 empre­sas estrearam na Bovespa -, os executivos da Raia começaram a pre­parar a empresa a toque de caixa para o IPO. Duran­te três meses, o vice-presidente comer­cial, o diretor finan­ceiro e a gerente jurídica se dedica­ram integralmen­te a levantar todo tipo de informa­ção financeira e legal, de contratos com fornecedores a processos trabalhistas, acordos de acionistas e autuações, que seria usada para fazer o extenso prospecto de abertura de capital.

Eles também ti­nham a responsabilidade de ajudar os auditores e os banqueiros recém-con­tratados a revisar contratos, organizar balanços e estruturar a operação (veja os detalhes no quadro da pág. 116). "A empresa quase parou nessa época, foi muito difícil", diz Eugênio de Zagottis, vice-presidente comercial e de rela­ções com investidores - e genro de Pipponzi. Nove meses e 2 milhões de reais de gastos depois, o IPO não saiu porque não havia demanda suficiente pelas ações da Raia. Se tivesse insistido e chegado à bolsa em 2007, é possível que a Raia fosse mais um caso de IPO problemático.


Um passo atrás, dois a frente


Com metade do faturamento atual e menos conhecida pelos investidores estrangeiros, a companhia poderia ter sido prejudicada pelo movimento glo­bal de aversão a risco.

"Além disso, a falta de treinamento para se comunicar com o mercado prejudicou muitas em­presas", diz Tereza Kaneta, presidente da MZ Consult, especializada em as­sessorar companhias abertas. Sem o IPO, em 2008, os donos da Raia deci­diram captar 115 milhões de reais com dois fundos, o Gávea e o Pragma (que gere recursos dos fundadores da Natu­ra).

Foi ai, segundo Pipponzi, que a empresa realizou ajustes internos que, dois anos depois, facilitaram a abertu­ra de capital. Foram adotadas regras mais rígidas de governança, como a que determina que membros da família só podem ser contratados se forem apro­vados pelo conselho de administração.

"A Raia tomou a decisão de continuar sendo familiar, mas modernizando a gestão", diz Piero Minardi, sócio do Gávea. Também foram criados comitês de operações, finanças e pessoas para aprovar políticas de remuneração e planos de investimento e de financia­mento. "Começamos a dividir as deci­sões, o que não é simples. Hoje, vejo que aquele pensamento 'sou soberano, não devo nada a ninguém' é a receita para perder tudo", diz Pipponzi.


COBRANÇA INCESSANTE



Quando os empresários decidiram re­tomar o plano de abrir o capital, em setembro do ano passado, os principais ajustes internos haviam sido feitos, e eles já conheciam bem a rotina de con­tratação de advogados, bancos e audi­torias necessária para estruturar o IPO. Faltava realizar a massacrante turnê de reuniões com investidores.

Em três se­manas, foram feitos 92 eventos para cerca de 200 investidores no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa - Pippon­zi e Zagottis tinham, em média, sete reuniões por dia, mas o número chegou a 14 em períodos decisivos. "Lá fora, os investidores dão 50 minutos contados no relógio para que você faça a apre­sentação, então treinamos antes para garantir que conseguiríamos passar a mensagem de forma objetiva", diz Za­gottis.

"Tirei do armário os ternos que tinha comprado em 2007 só para fazer essas viagens, e que estavam novos. Aqui, só usamos ternos em casamento, funeral e, agora, nas reuniões com in­vestidores", diz Pipponzi, que está qua­se sempre de camisa sem gravata e inaugura pessoalmente as novas dro­garias da rede.

Nessa rodada, os execu­tivos da Raia e dos bancos Itaú BBA, Credit Suisse e Banco do Brasil, que coordenaram a operação, constataram que havia interesse pelas ações da em­presa, que começaram a ser negociados na Bovespa em 20 de dezembro.

Estrear na bolsa, dizem os profissio­nais do mercado, é como passar no ves­tibular. ''A sensação é de alívio e eufo­ria, mas, no dia seguinte, você se dá conta de que os desafios ficaram ainda maiores", diz Reginaldo Alexandre, presidente da Apimec de São Paulo, associação que reúne analistas e exe­cutivos financeiros.

A Raia teve de aprender a funcionar como uma em­presa aberta, o que inclui uma série de proibições - seus executivos não po­dem fazer previsões que estejam fora de comunicados públicos, nem comen­tar resultados antes de ser publicamen­te anunciados - e algumas obrigações, como prestar contas a analistas, gesto­res e acionistas. "O mercado cobra ex­plicações o tempo todo", diz Zagottis.

"Também existe a pressão por aumen­tar ao máximo os resultados trimestrais, mas não podemos deixar isso afetar o longo prazo. Nem sempre é fácil expli­car essa diferença", diz. Por enquanto, com as ações em alta, a empresa tem conseguido convencer os investidores de que vale a pena esperar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário